Após dois anos de uma prisão que gerou perplexidade pela desproporção, Débora Rodrigues dos Santos, cabeleireira de 39 anos, que pichou a estátua “A Justiça” em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) com a frase “perdeu, mané”, finalmente poderá retornar para casa – embora sob o regime de prisão domiciliar. A decisão, tomada pelo ministro Alexandre de Moraes nesta sexta-feira (veja a íntegra no final da matéria), veio após um parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR) e traz à tona as contradições de um caso que, desde o início, pareceu mais um recado político do que uma ação de justiça.
Débora foi presa em 2023, quando escreveu a frase provocadora na estátua que simboliza a imparcialidade do Judiciário. A ironia é notável: a mesma expressão, “perdeu, mané”, havia sido utilizada em 2022 pelo atual presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ao responder a um homem que o questionou sobre a eleição presidencial brasileira durante um evento em Nova York.
Na ocasião, a resposta de Barroso foi celebrada por alguns como uma reação espirituosa. No entanto, o ato de Débora, uma cidadã comum, foi interpretado como um ataque ao Estado, levando-a a enfrentar um julgamento que inicialmente pediu uma pena de 14 anos de prisão – uma punição que, para muitos, ultrapassou os limites do razoável.
A decisão de Moraes atendeu a um pedido da defesa, que destacou a condição de Débora como mãe de duas crianças menores de 12 anos, cumprindo os requisitos do artigo 318, inciso V, do Código de Processo Penal, para substituição da pena. O ministro determinou que a prisão preventiva fosse convertida em prisão domiciliar, com o uso de tornozeleira eletrônica e a imposição de medidas cautelares, como a proibição de sair de sua residência sem autorização judicial.

Passo em direção à sensatez
Embora a medida represente um alívio, a condenação de Débora permanece, o que levanta questionamentos sobre a relutância do sistema em reconhecer os excessos cometidos contra ela.
O caso de Débora revela as fragilidades de um Judiciário que, muitas vezes, parece mais preocupado em proteger sua própria imagem do que em aplicar a lei com imparcialidade. Quando foi presa, a cabeleireira enfrentou a fúria de um sistema que, ao classificar seu ato como dano ao patrimônio, o considerou uma suposta ameaça à democracia.
O próprio Moraes, que agora concedeu a prisão domiciliar, havia sido o defensor da pena de 14 anos, em um julgamento que muitos consideraram uma demonstração de força excessiva. A PGR, sob Paulo Gonet, também contribuiu para o rigor inicial, mas recuou ao sugerir a substituição da pena, reconhecendo, ainda que tardiamente, a desproporção do encarceramento.
A ironia da frase “perdeu, mané” ressoa com mais força do que nunca. Enquanto Barroso usou a expressão em um contexto descontraído, Débora pagou um preço altíssimo por repeti-la em um ato de protesto. A disparidade no tratamento entre uma figura pública e uma cidadã comum expõe a seletividade do sistema judicial brasileiro, onde o peso da lei parece variar dependendo do réu.
Criminosos de colarinho branco, envolvidos em escândalos de corrupção, frequentemente escapam de punições severas, enquanto Débora, mãe e trabalhadora sem antecedentes criminais, foi tratada como um exemplo a ser seguido.
A libertação de Débora, ainda que limitada à prisão domiciliar, é um pequeno passo em direção à sensatez, mas não apaga as marcas de um processo que transformou um gesto simbólico em um espetáculo de repressão. O caso serve como um alerta: quando o Judiciário se deixa guiar por interesses políticos ou pela necessidade de reafirmar sua autoridade, quem mais sofre é a própria justiça – a mesma que a estátua em frente ao STF deveria simbolizar.
Para Débora, a liberdade, mesmo que restrita, é uma vitória; para o Brasil, este episódio é um lembrete de que a balança da Justiça precisa urgentemente de equilíbrio.
Comentários