O governo quer retirar estatais do Orçamento convencional da União. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou dois projetos para o Congresso que afrouxam as regras para que empresas públicas saiam da contabilidade tradicional e passem a gastar como instituições independentes, mesmo que ainda dependam de dinheiro do Tesouro Nacional.
Se as propostas avançarem, o controle dos gastos dessas estatais vai ficar mais difícil, de acordo com especialistas. Ao mesmo tempo, sua retirada do Orçamento abre espaço para novos gastos, o que poderia configurar mais um drible no arcabouço fiscal.
O Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, que cuida das estatais federais, afirmou, porém, que o governo propôs a mudança para que as empresas recuperem sua sustentabilidade e não precisem mais de recursos da União no médio prazo.
O Ministério do Planejamento e Orçamento, que assina a proposta, disse que a mudança melhora a situação fiscal das contas públicas, pois hoje os recursos próprios dessas estatais também acabam entrando no Orçamento e concorrem com outros gastos da administração.
Quais empresas
Atualmente, 17 empresas estatais são consideradas dependentes, ou seja, precisam de recursos do Tesouro Nacional para manter suas atividades. Entre elas estão a Telebras, responsável por levar internet para órgãos públicos, a Infra S/A, que cuida de projetos de infraestrutura, a Conab, encarregada de abastecimento e distribuição de alimentos, a Embrapa, de pesquisa agropecuária, e a Codevasf, que faz obras nos vales do Rio São Francisco e do Parnaíba.
Os projetos enviados pelo governo mudam as regras para que essas empresas saiam dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social, onde estão os gastos que se submetem aos limites fiscais, e façam parte do Orçamento de Investimento, onde estão as estatais independentes, como a Petrobras.
Orçamento de R$ 39 bilhões
As estatais dependentes têm um orçamento aproximado de R$ 39 bilhões neste ano, dos quais R$ 1,7 bilhão (menos de 5%) bilhão vem de arrecadação própria das empresas. O restante é bancado por recursos diretos do Tesouro Nacional.
Problema da proposta é burlar teto de gastos e controle público, diz especialista
O contrato de gestão é previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e na Constituição para ampliar a autonomia, a eficiência e a sustentabilidade de empresas públicas, mas não deveria ser interpretado para tirar estatais do Orçamento tradicional, de acordo com a especialista em Finanças Públicas e presidente da Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (AudTCU), Lucieni Pereira.
“O problema é passar a ideia de que você pode burlar o teto de gastos, o limite de despesas com pessoal, o limite de dívida pública e todos os controles públicos só fazendo um contrato de gestão e dizendo que não é mais dependente. O conceito de empresa dependente não permite essa ideia. É uma irresponsabilidade”, afirma Lucieni.
A economista Selene Peres Peres Nunes, uma das autoras da LRF, também diz que o governo não pode usar o contrato de gestão previsto na lei para tirar as empresas do Orçamento. “O governo não quer atacar os problemas reais de gestão das estatais e fica querendo resolver as coisas com contabilidade criativa. O governo não pode colocar ou tirar da conta ao seu bel-prazer.”
Consultoria do Senado aponta risco de despesas escaparem de limites
A tentativa do governo acendeu um sinal de alerta no Congresso Nacional. Há duas preocupações centrais. A primeira envolve transparência, pois os projetos abrem margem para as despesas das estatais não serem contabilizadas no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi), que registra todas as movimentações financeiras da União. O segundo impacto é fiscal, pois o que sair do Orçamento abriria espaço para outros gastos.
A Consultoria de Orçamento do Senado apontou que o projeto não apresentou justificativa para a mudança no instrumento e concluiu que o texto permite que a empresa estatal dependente execute suas despesas como se fosse não dependente, escapando de restrições como o congelamento de gastos e a obrigação de registrar as despesas no Siafi.
A área técnica do Senado também concluiu que a proposta é omissa sobre se as despesas das estatais custeadas com receitas próprias vão ser submetidas ou não às restrições do Orçamento.
Comentários