Em um ato de despedida que ecoa simbolismo político e jurídico, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso votou nesta sexta-feira (17/10) que mulheres que interrompam a gravidez até a 12ª semana de gestação não sejam criminalizadas.
O posicionamento foi registrado no plenário virtual da Corte, um dia antes de o ministro se aposentar.
“Ninguém é a favor do aborto. O aborto é algo que deve ser evitado com educação sexual, acesso a contraceptivos e apoio à mulher que deseja levar a gestação adiante. O que defendo é que quem passou por esse infortúnio não deve ir presa”, afirmou Barroso.
“A criminalização tem efeito perverso, principalmente sobre as mulheres pobres”, concluiu, quando foi questionado sobre o que decidiria sobre o assunto.
O voto foi incluído na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ação proposta pelo PSOL em 2017 que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana. Barroso seguiu o entendimento da ministra Rosa Weber, que, em 2023, também registrou seu voto favorável à medida no último dia antes da aposentadoria.
A manifestação do ministro ocorre na mesma semana em que o Congresso Nacional tomou duas decisões em sentido contrário. A Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou um projeto que proíbe o aborto após a 22ª semana de gestação, mesmo em casos de estupro, e setores conservadores da Câmara intensificaram a articulação para endurecer penas em situações de aborto legal.
O contraste entre as posições do Supremo e do Legislativo acentua o embate sobre direitos reprodutivos no país — tema que volta a dividir opiniões em meio à disputa eleitoral e às pressões de grupos religiosos.
Barroso deixa o STF após 12 anos na Corte e com uma trajetória marcada por votos em defesa das liberdades civis, da igualdade de gênero e da autonomia individual. Seu voto na ADPF 442 – assim como o de Rosa Weber – consolida uma tentativa de inscrever no registro da história do Supremo uma visão mais humanizada sobre o aborto no Brasil.
Apesar de o presidente Edson Fachin ter aberto a sessão extraordinária até às 23h59 da próxima segunda-feira (20/10), o ministro Gilmar Mendes pediu destaque logo após Barroso ter protocolado o voto. Assim, o julgamento voltará ao plenário físico, mas sem data prevista.
Se a maioria acompanhar Barroso e Rosa Weber, o Brasil poderá avançar para descriminalizar o aborto nas 12 primeiras semanas de gestação – um passo que alteraria uma legislação vigente desde 1940.
A tendência, no entanto, é que um novo destaque ou pedido de vista seja apresentado, voltando com o tema para a gaveta de pautas da presidência da Corte.
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