O jurista Sidney Stahl tem chamado atenção para uma mudança significativa no perfil do Supremo Tribunal Federal (STF), que, segundo ele, deixou de lado a discrição que o caracterizava nas décadas de 1970, 1980 e 1990 e passou a atuar com forte viés político. Para Stahl, o principal exemplo dessa nova postura é o ministro Alexandre de Moraes, que tem se destacado por decisões firmes, especialmente após os atos de 8 de janeiro.
Stahl argumenta que o STF de hoje se distanciou do seu papel tradicional, tornando-se um ator político de peso. Em entrevista à Revista Oeste, ele afirmou que as ações de Moraes não são fruto do acaso, mas parte de uma estratégia deliberada. “Ele ultrapassou conscientemente os limites do cargo, e os demais ministros demoraram a perceber que a defesa da democracia não se faz com censura ou perseguição”, disse.
Para o jurista, que é pós-graduado em Direito Constitucional e Tributário pela PUC-SP e autor do livro Supremo em Transformação: do Recato Institucional ao Protagonismo Político (1980-Presente), Moraes atua de forma a impor temor em relação ao STF. “A ideia é manter a população e os atores políticos receosos das ações do Supremo”, declarou.
Segundo Stahl, há uma lógica política por trás dessa atuação: “É mais conveniente para o STF agir contra alvos mais fracos, como a ‘moça do batom’, do que confrontar diretamente o Congresso Nacional.”
Até o momento, cerca de 900 sentenças já foram proferidas em relação aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro, com penas que variam de três a 17 anos de prisão. O debate sobre a possibilidade de rever essas punições chegou ao Senado, onde Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) se reuniu com ministros da Corte para discutir alterações no Código Penal. Moraes, segundo relatos, não apoia uma redução ampla das penas, mas não se opõe a ajustes moderados.
Essa situação tem colocado o Congresso em uma posição de moderador das decisões judiciais, embora o Supremo ainda detenha a palavra final — um cenário que, segundo Stahl, revela uma distorção na divisão entre os Poderes da República.
O jurista aponta que esse novo protagonismo do STF começou a se delinear em 2005, com a transmissão dos julgamentos do escândalo do Mensalão, que deram ao tribunal uma exposição inédita. Desde então, passou-se a esperar mais agilidade e visibilidade das decisões judiciais.
Ele também lembra que instrumentos como a súmula vinculante e o mecanismo da repercussão geral ampliaram o alcance do STF. A súmula vinculante obriga os tribunais e órgãos públicos a seguir os entendimentos da Corte, enquanto a repercussão geral permite que apenas os casos de relevância nacional sejam julgados pelo tribunal.
“Esses mecanismos deram ao STF o poder de selecionar os temas de maior impacto político e social, reforçando sua imagem como ator político, além de jurídico”, avaliou Stahl.
O ápice desse processo teria ocorrido a partir de 2014, com a Operação Lava Jato. A Corte passou a julgar temas diretamente relacionados ao núcleo do poder, e partidos de diferentes espectros políticos começaram a usar o STF como meio para influenciar políticas públicas, por meio de ações como ADIs, ADCs e ADPFs.
Stahl observa ainda que a escolha de ministros desde o início do primeiro governo Lula passou a considerar cada vez mais o alinhamento político dos indicados. Alexandre de Moraes se encaixaria nesse perfil, de acordo com o jurista.
Ele resume o atual momento do STF como resultado da combinação de três fatores: a maior visibilidade dos ministros, a atuação ideológica da Corte e o uso estratégico do tribunal por partidos políticos. “Essa tríade também favoreceu o surgimento de iniciativas pessoais dos próprios ministros para implementar suas agendas políticas”, concluiu.
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