Por anos, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) travaram uma guerra sangrenta pelo controle do tráfico de drogas e outras atividades ilícitas no Brasil e na América Latina. Agora, as duas maiores organizações criminosas do continente selaram um pacto de não agressão. O acordo, revelado pelo jornal Metrópoles e confirmado pelo UOL, representa uma reviravolta nas dinâmicas do crime organizado e levanta questões sobre seus reais objetivos.
A negociação foi confirmada por fontes em diversos estados, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Ceará e Amazonas. Entre elas, uma ligada diretamente a Márcio dos Santos Nepomuceno, o Marcinho VP, chefe do CV. Segundo o promotor de Justiça de São Paulo, Lincoln Gakiya, o pacto vem sendo gestado desde 2019, quando Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder do PCC, foi transferido para o sistema penitenciário federal, ao lado de outros membros da facção.
A motivação principal seria um esforço conjunto para enfraquecer as rígidas regras carcerárias impostas às lideranças.
O pacto, também no Pará
No Pará, segundo uma fonte, o “acordo de paz” estaria praticamente selado, faltando pequenos detalhes. O CV paraense é ligado ao comando central do Rio de Janeiro e qualquer negociação precisa ter o aval carioca. Em vista disso, o Pará já poderia ser incluído entre os que aprovam o tal acordo.
“Não tem problema, se assim for definido, assim será cumprido”, resumiu. No Pará, o PCC tem menor presença em algumas regiões do estado, onde o CV é maioria.
Outro fator crucial para a trégua está relacionado ao narcotráfico. O PCC domina a chamada “rota caipira”, que atravessa a Bolívia e municípios paulistas até o porto de Santos, principal ponto de exportação de cocaína para Europa e África.
O CV, por sua vez, comanda a “rota do Solimões”, na Amazônia, que liga a produção colombiana e peruana ao mercado brasileiro. A aliança entre as facções pode significar um novo modelo de cooperação logística no tráfico de drogas, ampliando lucros e influência territorial.
Reflexos na segurança pública
A trégua já apresenta impactos em diferentes regiões do país. No Ceará, por exemplo, um líder comunitário que atua na mediação de conflitos afirmou que, desde o anúncio do pacto, ordens do CV determinaram a suspensão de ataques contra membros do PCC em áreas periféricas de Fortaleza. Relatos semelhantes surgiram no Norte e Nordeste, onde o CV tem maior presença territorial.
No entanto, há pontos onde o conflito permanece. Em locais estratégicos para o narcotráfico, como no Amazonas, a disputa entre as facções segue intensa. Os massacres ocorridos nos presídios nos últimos anos, como o de Manaus em 2017, que deixou 56 mortos, evidenciam a brutalidade da guerra pelo controle do crime.
Os riscos para o Estado brasileiro
A aliança entre PCC e CV pode representar um desafio sem precedentes para o poder público. Se, por um lado, a diminuição de confrontos entre facções pode reduzir a violência em algumas áreas, por outro, uma colaboração estratégica entre os dois maiores grupos criminosos do Brasil pode fortalecer suas operações e dificultar ações de repressão.
A possibilidade de ataques coordenados a instituições financeiras, resgates cinematográficos de líderes presos e uma influência ainda maior no tráfico internacional são preocupações que já mobilizam as forças de segurança.
Diante desse novo cenário, especialistas alertam para a necessidade de medidas rápidas e eficazes do Estado para evitar que essa trégua se transforme em um fortalecimento sem precedentes do crime organizado no país.
Relatório no Fantástico
Um relatório de inteligência da Secretaria Nacional de Políticas Penais traz um alerta sobre um possível acordo de cooperação entre PCC e Comando Vermelho. O documento detalha o que seriam ações coordenadas para tornar menos rígido o tratamento de presos perigosos no sistema penitenciário nacional.
Gravações feitas com autorização judicial revelam conversas entre presos e seus advogados dentro do chamado “parlatório” — local dentro das penitenciárias federais onde ocorrem esses encontros.
O programa dominical Fantástico, da Rede Globo, teve acesso a um relatório do Serviço de Inteligência do Ministério da Justiça que afirma
“A unificação dos advogados do Primeiro Comando da Capital, o PCC, e Comando Vermelho, o CV, vem sendo formatada por integrantes do alto escalão das duas facções. E teria como objetivo fortalecer os grupos criminosos para, principalmente, pleitear demandas dos chefes presos no sistema penitenciário federal”.
Nas penitenciárias federais, os presos cumprem pena no chamado regime disciplinar diferenciado. O detento fica isolado em cela individual monitorada por câmara, com saídas diárias para banho de sol por apenas 2 horas diárias. Só são permitidas visitas de suas pessoas por semana, mas sem direito a contato físico. O preso não pode ver televisão, ouvir rádio, ler jornais e revistas nem usar internet ou celular.
1,6 milhões de assinaturas
Segundo o relatório, “dados apontariam que integrantes do PCC já estariam reunindo assinaturas de pessoas em condições de votar para subsidiar um suposto ‘abaixo-assinado’ em que os signatários pleiteariam a flexibilização da lei para permitir o retorno de visitação com contato físico no sistema prisional federal”.
O setor de inteligência do Ministério da Justiça registrou que o chefe do PCC, Marco Willians Camacho, o Marcola, perguntou a um advogado: “Eles vão fazer então um abaixo-assinado com 1 milhão e 600 mil assinaturas?”
“A capacidade de isolamento é necessária para que se interrompa os mecanismos de comunicação e articulação das lideranças”, afirma André Garcia, secretário nacional de políticas penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
“O desafio que o Estado brasileiro tem com relação a essas organizações vai muito além dessa pacificação entre elas. É de consolidação democrática, proteção das instituições democráticas. Hoje, o país tem mais de 70 organizações criminosas, facções criminosas identificadas“, diz David Marques, coordenador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O relatório aponta que, com o fortalecimento de ações conjuntas, do PCC e do CV para demandas de presos, “não se deve descartar que essa ‘unificação de trabalhos jurídicos’ ultrapasse a seara judicial”.
Mortes proibidas
Autoridades investigam mensagens de texto que seriam de integrantes das facções falando de uma trégua entre PCC e CV nas ruas. Ainda não há comprovação de que sejam autênticas.
Uma delas, supostamente do PCC, diz que a facção entrou em acordo com o Comando Vermelho e que mortes estão proibidas em todos os estados. Outra mensagem, supostamente do CV, diz que desde o dia 11 deste mês ataques contra o PCC estão proibidos.
O promotor Lincoln Gakiya, que investiga o PCC há pelo menos 20 anos, diz que a trégua entre as duas maiores facções já está valendo nas principais capitais.
“No Rio de Janeiro e em São Paulo já houve essa trégua. A união das duas maiores organizações criminosas do país pode levar a um incremento no tráfico internacional de cocaína, no tráfico de armas para o Brasil. É um compartilhamento de rotas e, sobretudo, fortalecimento ainda maior dessas organizações criminosas”, diz Gakiya. (Do Ver-o-Fato, com informações dos portais Metrópoles, UOL e programa Fantástico)
*Com informações do Portal Ver-O-Fato
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