O portal Ver-o-fato publicou com exclusividade o desfecho dos dois inquéritos, exibidos nacionalmente pelo programa dominical Fantástico, que envolvia o governador do estado do Pará, Helder Barbalho.
A pedido da PGR, o ministro relator dos casos, Francisco Falcão arquivou os inquéritos que investigavam o caso dos 400 respiradores que não funcionavam e custaram aos cofres públicos R$ 53 milhões, além das Organizações Sociais (OSS) que, supostamente, fraudavam contratos na ordem de R$ 1,2 bilhão.
Contudo, a vice-procuradora-geral da República, Ana Borges Coêlho Santos, destacou que: “nada impede que, com o avanço das investigações nos outros dez inquéritos que tramitam perante a primeira instância, caso surjam elementos mais robustos de atos concretos praticados pelo Chefe do Executivo, sejam eles remetidos ao STJ, viabilizando a reabertura das investigações, na forma do artigo 18 do Código de Processo Penal (CPP)”.
Leia abaixo a decisão na íntegra do STJ do caso das OSs:
Trata-se de investigação originalmente instaurada perante o Juízo da 3ª Vara Federal em Belém, para a apuração de irregularidades na contratação de Organizações Sociais na área da saúde pelo Governo do Estado do Pará, para gestão de hospitais públicos, no contexto da pandemia de Covid 19.
Diante da existência de indícios do suposto envolvimento do Governador do Estado, Helder Zahluth Barbalho, nos crimes apurados, os autos foram remetidos a esta Corte Superior, nos termos do art. 105, I, a, da Constituição Federal.
Cumpridas as medidas cautelares investigativas e patrimoniais deferidas nos autos da CauInomCrim n. 39/DF e CauInomCrim n. 41/DF, foi acolhido o pedido do Ministério Público Federal para o desmembramento das investigações, com o declínio parcial da competência para o Juízo da 3ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária no Pará, para o prosseguimento das apurações no tocante aos investigados não detentores foro por prerrogativa de função, permanecendo nesta Corte apenas a apuração em relação ao Governador do Estado do Pará (PET n. 13.773/DF – Apenso 12).
O trâmite das investigações foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal em 14/10/2021, por meio do deferimento de medida cautelar na reclamação n. 49.579/PA (fls. 4.466-4.487) que, no mérito, foi julgada, em 23/11/2022, parcialmente procedente, nos termos da certidão de fls. 4.591. Às fls. 4.610-4.618, a Vice-Procuradora-Geral da República aduz que: Os fatos que são objeto deste Inquérito ocorreram no mesmo contexto da aquisição de 400 ventiladores pulmonares pelo Governo do Estado do Pará, da mesma empresa, compra esta que é investigada no INQ 1362/DF.
Naquele expediente, nesta data, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL promoveu o arquivamento em relação ao Governador do Estado, requerendo o declínio da competência em relação aos demais […]
Embora os objetos daquele apuratório e deste sejam diversos, há que se ponderar, como já afirmado pela Procuradoria-Geral da República em manifestação encartada neste Inquérito, que são excipientes os indícios de participação do Governador do Estado do Pará. A rigor, de ao menos 12 contratos investigados, há frágeis indícios de envolvimento do Governador em apenas um deles.
Por outro lado, como informado pela Polícia Federal nos autos, em razão do desmembramento determinado na decisão de f. 4178 e seguintes destes autos, proferida originalmente no bojo da PET 13.773 (2020/0270440-0), foram instaurados outros dez inquéritos para apurar as contratações levadas a efeito pelo Governo do Estado do Pará e a organização social INSTITUTO PANAMERICANO DE GESTÃO.
Se é verdade que a manutenção deste Inquérito perante este Superior Tribunal de Justiça se justificava quando ainda em tramitação o INQ 1362, com a promoção de arquivamento levada a efeito, não se vislumbra razão para subsistência desta investigação, já que, como dito são deveras frágeis os elementos de suposto envolvimento do Governador.
Assim, nada impede que, com o avanço das investigações nos outros dez inquéritos que tramitam perante a primeira instância, caso exsurjam elementos mais robustos de atos concretos praticados pelo Chefe do Executivo, sejam eles remetidos ao STJ, viabilizando a reabertura das investigações, na forma do art. 18, CPP.
Ao final, o Ministério Público Federal: a) Promove o arquivamento do presente inquérito em relação a HELDER ZAHLUTH BARBALHO, com as ressalvas do art. 18, CPP; b) Requer seja o juízo da 3ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Pará informado acerca do arquivamento do feito, para que, eventualmente, remeta a este STJ eventuais novos elementos de prova dando conta do envolvimento do Governador, que venham a surgir nos inquéritos instaurados para apurar as condutas dos investigados sem foro por prerrogativa de função.
É o relatório. Decido.
Por ser o órgão responsável pela acusação, cabe ao Ministério Público a análise no tocante à existência de elementos suficientes para a abertura de investigações e, também, para o exercício da ação penal. Na hipótese em tela, informa o Parquet que as diligências investigativas realizadas no curso da instrução do presente caderno apuratório não trouxeram elementos de convicção suficientes que pudessem confirmar a materialidade e autoria de delito no tocante ao Governador do Estado do Pará, razão pela qual entende inexistir justa causa para o prosseguimento das apurações com relação à autoridade com prerrogativa de foro perante o Superior Tribunal de Justiça.
A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que o pedido de arquivamento de inquérito, sindicância, peça de informação ou qualquer expediente revelador de notícia-crime formulado pelo Procurador-Geral da República, ou mesmo pelo Vice-Procurador-Geral da República, nos casos em que oficia por delegação daquele, vincula o Superior Tribunal de Justiça, sendo inaplicável a disposição contida no artigo 28 da lei adjetiva penal.
A decisão do caso dos respiradores inservíveis:
Trata-se de inquérito instaurado, em maio de 2020, para a apuração de irregularidades na aquisição de equipamentos médicos hospitalares pelo Governo do Estado do Pará, no contexto da pandemia de Covid 19, envolvendo o Governador Helder Zahluth Barbalho, agentes políticos, servidores públicos e empresários, fatos que se amoldariam, em tese, aos delitos capitulados nos art. 89, 96 e 97 da Lei n. 8.666/93, art. 317 e 333 do Código Penal e art. 1º, da Lei n. 9.613/98.
Ultimadas as diligências investigativas por parte da Autoridade Policial que atuou por delegação da competência investigativa, os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal para ciência e adoção das medidas entendidas cabíveis. Às fls. 4.264-4.272, a Vice-Procuradora-Geral da República aduz que: De fato, há nos autos elementos que apontam ter o Governador Helder Barbalho se envolvido pessoalmente em tratativas junto ao empresário André Felipe de Oliveira da Silva, representante da empresa SKN, relativas à aquisição de respiradores pelo Estado do Pará. Entretanto, dessas conversas não se depreende indicativo de que estava em curso um entendimento espúrio.
[…]
O conteúdo desses diálogos, embora não possa afastar de forma completa eventual envolvimento do Governador, lança dúvidas razoáveis acerca de seu intuito nas tratativas, impedindo um juízo seguro sobre o elemento subjetivo.
Logo, não há prova suficiente de que o Governador do Estado tenha agido com o intuito de causar dano ao erário, o que é exigido para a configuração do crime do art. 89, Lei 8.666/93 (REsp 1485384/SP, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 2/10/2017; REsp 1367663/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO,
Sexta Turma, DJe 11/9/2017), tampouco que tenha determinado, deliberadamente, a elevação arbitrária do preço (art. 96, I, Lei 8.666/93).
Quanto à divergência entre as especificações do produto contratado e daqueles que foram entregues, merece destaque o acordo celebrado entre o Estado do Pará e a empresa SKN do Brasil Importação e Exportação, noticiado à f. 46 dos autos, no bojo de ação de resolução de contrato por inadimplemento, e homologado judicialmente, pelo qual a empresa se comprometeu a ressarcir ao Estado o montante de R$25.200.000,00 (vinte e cinco milhões e duzentos mil reais). O ajuste prevê, inclusive, a devolução de 152 ventiladores pulmonares à SKN (cláusula primeira, parágrafo primeiro).
Nesse especial, foram apontados como indícios de eventual favorecimento à empresa SKN, por parte do Governador, a edição de dois decretos: o Decreto nº 619/2020, que previu a possibilidade de pagamento antecipado nas aquisições relacionadas à pandemia COVID-19; e o Decreto 718/2020, que diferiu o pagamento
de ICMS incidente nas importações de mercadorias, máquinas e equipamentos hospitalares destinados ao atendimento de pacientes acometidos por COVID-19.
Também aqui não há elementos seguros para se afirmar que as medidas normativas tiveram o propósito deliberado de beneficiar a empresa SKN, já que, como dito, os atos foram editados em um contexto em que se fazia necessário facilitar e agilizar os processos de aquisição de equipamentos importador, notadamente respiradores.
Portanto, não obstante a existência de indícios da participação do governador HELDER BARBALHO nos crimes investigados, tais indícios são insuficientes para a continuidade da persecução penal, por não terem sido corroborados por outros elementos durante a investigação.
Ao final, o Ministério Público Federal: a) Promove o arquivamento do presente inquérito em relação a HELDER ZAHLUTH BARBALHO, com as ressalvas do art. 18, CPP; b) Requer o declínio da competência em relação aos demais investigados, para a 3ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Pará, uma vez que não ostentam foro por prerrogativa de função perante este Superior Tribunal de Justiça; c) Requer, em decorrência da presente promoção, sejam encaminhadas àquele Juízo as medidas cautelares correlatas, assim como os respectivos materiais apreendidos.
É o relatório. Decido.
Por ser o órgão responsável pela acusação, cabe ao Ministério Público a análise no tocante à existência de elementos suficientes para a abertura de investigações e, também, para o exercício da ação penal. Na hipótese em tela, informa o Parquet que as diligências investigativas realizadas no curso da instrução do presente caderno apuratório não trouxeram elementos de convicção suficientes que pudessem confirmar a materialidade e autoria de delito no tocante ao Governador do Estado do Pará, razão pela qual entende inexistir justa causa para o prosseguimento das apurações com relação à autoridade com prerrogativa de foro perante o
Superior Tribunal de Justiça.
A jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que o pedido de arquivamento de inquérito, sindicância, peça de informação ou qualquer expediente revelador de notícia-crime formulado pelo Procurador-Geral da República, ou mesmo pelo Vice-Procurador- Geral da República, nos casos em que oficia por delegação daquele, vincula o Superior Tribunal de Justiça, sendo inaplicável a disposição contida no artigo 28 da lei adjetiva penal.
Nesse sentido, colaciono o seguinte precedente: PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. FINALIDADE ESPECÍFICA. ART. 105, I, “A”, DA CF/1988. GOVERNADOR DE ESTADO E OUTROS INVESTIGADOS. EXAURIMENTO DAS INVESTIGAÇÕES. NÃO
CONFIRMAÇÃO DAS SUSPEITAS INICIAIS. ARQUIVAMENTO PROMOVIDO PELO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA OU EM SEU LUGAR POR DELEGAÇÃO. INAPLICABILIDADE DO ART. 28 DO CPP. ACOLHIMENTO. PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL. CONTEXTO FÁTICO DA INVESTIGAÇÃO
[…]
- Quando o Ministério Público Federal, por intermédio do Procurador-Geral da República ou por quem o represente, por delegação, nos casos de competência
originária desta Corte Especial, promove o arquivamento de investigação policial, por não encontrar elementos suficientes à continuidade das apurações ou para a
apresentação de denúncia, não há alternativa além do acolhimento de tal pleito, diante da inaplicabilidade da remessa prevista no art. 28 do Código de Processo Penal. - A propósito, é remansosa a jurisprudência da Corte Especial no sentido pretendido pelo Parquet, uma vez que, “inexistindo, a critério do Procurador-Geral,
elementos que justifiquem o oferecimento de denúncia, não pode o Tribunal, ante a declarada ausência de formação da ‘opinio delicti’, contrariar o pedido de
arquivamento deduzido pelo Chefe do Ministério Público” (Sd 65/PA, Corte Especial, DJe 7.8.2017, destaque no original). - Por sua reconhecida precisão, relembro as palavras da eminente Ministra Nancy Andrighi, em situação similar, deliberada por esta Corte Especial, no Inquérito
1.112, (DJe 13.2.2019): “Com efeito, nessas hipóteses, o pedido de arquivamento de inquérito, de peça de informação ou de qualquer expediente revelador de notitia criminis formulado pelo Procurador-Geral da República ou mesmo por Vice- Procurador-Geral da República, oficiando por delegação do Procurador-Geral da
República, vincula esta Corte, não sendo aplicável o disposto no art. 28 do CPP. Nesse sentido: STJ, Inq 473/GO, Corte Especial, DJe de 27/11/2013; STJ, Inq. 967/DF, Corte Especial, DJe 30/03/2015.” (destaquei em negrito). - Arquivamento acolhido, com ressalva do art. 18 do Código de Processo Penal. (Inq n. 1.282/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado
em 17/8/2022, DJe de 12/9/2022.)
Ante o exposto, acolho a promoção do Ministério Público Federal de arquivamento do presente inquérito com relação ao Governador do Estado do Pará Helder Zahluth Barbalho, ressalvado o disposto do art. 18 do Código de Processo Penal, com a consequente restituição dos bens apreendidos e o levantamento das medidas cautelares patrimoniais decretadas.
Determino, ainda, a remessa destes autos e das medidas cautelares a ele vinculadas, assim como os materiais apreendidos, ao Juízo da 3ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária em Belém/PA, para prosseguimento das apurações das condutas dos investigados sem foro por prerrogativa de função.
VOTO
Voto, portanto, pela confirmação da decisão monocrática por mim proferida, por seus próprios fundamentos, submetendo-a ao referendo desta egrégia Corte.
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