São Paulo – “A gente quer acreditar que ela está viva, mas não está. Só queremos os restos mortais dela.” Esse é o desabafo feito por um parente da cuidadora de idosos Karina Martins Bezerra, de 26 anos, que foi raptada e morta há quase oito meses, após se negar a beijar um chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC), no ano passado.
Com medo de represálias, o familiar pediu para não ter a identidade revelada. Em conversa com a reportagem do Metrópoles, nesta segunda-feira (17), ele acrescentou que a vítima era trabalhadora e saía de casa somente para se divertir algumas vezes, como fez no dia em que foi abordada pelo bandido da facção.
A própria Karina relatou em depoimento à polícia como foi a abordagem que sofreu dos criminosos, quando se divertia com três amigas em uma adega na zona leste de São Paulo, no dia 14 de agosto de 2022.
Ela foi raptada duas vezes. Na primeira vez, foi resgatada por policiais militares, antes de ser submetida ao chamado “tribunal do crime” do PCC, processo interno de julgamento de integrantes da facção, ou de terceiros, que cometeram “infrações”.
Foi nessa ocasião que a cuidadora deu detalhes à polícia. Segundo o depoimento, um criminoso, identificado somente como Xenon, teria mandado um recado dizendo que queria “ficar com ela” e que estava “apaixonado”. A moça ignorou a investida, afirmando “não querer ficar com ninguém.”
Horas depois, Xenon tentou beijá-la à força. Ela reagiu xingando o rapaz e os dois começaram a discutir.
“Durante a discussão, ele dizia que ela iria ser a mulher dele por bem ou por mal, que ela não sabia com quem ela estava falando e que ele era do PCC e que ficaria com quem ele quisesse”, diz trecho do depoimento.
Karina rebateu, reiterando que não ficaria com ele. O criminoso se irritou, ainda de acordo com o relato da cuidadora à Polícia Civil, pegou a chave do carro dela e a sequestrou, com a ajuda de três bandidos. Ela foi levada no próprio automóvel para um barraco, onde teve a boca, braços e pernas amarrados, na região do Itaim Paulista, zona leste.
Xenon chegou em seguida, com dois comparsas. O trio questionou os motivos de a vítima não ter beijado o bandido do PCC, segundo o relato.
“Xenon estava armado, a xingou e a ameaçou de morte, depois foi embora. Mas, antes, mandou que os caras dessem um jeito nela.”
Na manhã do dia seguinte, 15 de agosto, policiais militares resgataram Karina, após receberem uma denúncia sobre um “tribunal do crime” na Estrada Dom João Neri. Na ocasião, nove criminosos foram presos e Karina libertada.
Depois disso, segundo familiares, a cuidadora de idosos ficou em casa até o dia 25 de agosto. Investigações policiais mostram que, nessa data, ela saiu de casa após receber mensagens de celular dos suspeitos. Depois disso, Karina nunca mais foi vista.
Presos e foragido
Exatamente um mês depois que Karina recusou beijar o gerente do PCC na zona leste, dois homens e uma mulher, envolvidos com a facção, foram presos por suspeita de envolvimento com o crime.
Policiais do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) apuraram que Karina foi mesmo sentenciada e morta porque se negou a beijar um “sintonia”, como é conhecido na facção o responsável por gerenciar o tráfico.
Na Vila Curuçá, investigadores prenderam Brendon Macedo Soares, de 28 anos, “autointitulado auditor de drogas e disciplina” do PCC na zona leste. “Ele admitiu ter participado do tribunal responsável pela condenação [de Karina]”, diz trecho de nota enviada pelo Deic ao Metrópoles.
O suspeito indicou o endereço onde estavam Marco Antônio Ferreira Koti, de 30 anos, o Sheik, gerente do tráfico do PCC, e de uma mulher. Ambos foram presos e indiciados pela polícia. Xenon permanecia foragido até a publicação desta reportagem.
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