Muito antes do advento da internet, o corrosivo cineasta italiano Marco Ferreri (1928-1997) tratou os tipos e ideais burgueses no filme “A comilança” (1973), que chegou às telas no Brasil seis anos depois, travado pela censura. A história envolve quatro amigos que se trancam em uma casa durante um fim de semana com a intenção de “se matar de tanto comer” (não contém metáfora). O filme, literalmente, entrou para a história como um belo exemplar da comédia italiana. Os tempos são outros, agora, e as redes sociais é que promovem comédias.
Alguém já disse, sem muito brilhantismo, que as redes sociais tanto podem representar o portal do paraíso quanto o portal do inferno, quer dizer, podem empurrar tanto para cima quanto para baixo. O certo é que a superexposição de pessoas e de fatos traz sempre um viés perigoso. Sabe-se que uma família teve a residência invadida por um grupo de cinco bandidos fortemente armados depois de anunciar nas redes sociais a venda de um veículo, apontando o valor. O anúncio foi deletado 24 horas depois, mas os bandidos foram atrás do dinheiro.
Não é imoral, nem ilegal
Embora, no caso a seguir, uma coisa nada tenha a ver com a outra, chama a atenção o comportamento de candidatos nas eleições de outubro que usam um tipo de conteúdo nas redes sociais que, no mínimo, beira a falta de noção. São brincadeiras envolvendo gastronomia. Há quem faça questão – e não são poucos – de esnobar pratos e sabores restritos a uma parcela muito pequena da população. Até a mãe do governador, a deputada federal Elcione Barbalho, exibiu recentemente o post “Comendo por todo o Pará”, onde mostra o exagero e a fartura que lhe é oferecida por todos os lugares que visita.
Entre desemprego e fome
Em tempos em que o desemprego e a fome nunca foram tão agudos, sobretudo entre a população de baixa renda, esse tipo de postagem parece esnobar com quem, muitas vezes, apenas enche a barriga, ao invés de realmente se alimentar – ou humilhar quem vê a mesa e a geladeira vazias. Essas imagens de tanta fartura – que não é pecado, nem errado, claro – podem gerar o que os especialistas chamam de empatia com os menos afortunados; ou antipatia, depende…